Deu no Estadão: 2018 começa com ataques ao consumidor, por Claudio Lamachia
Brasília – O blog do jornalista Fausto Macêdo, do jornal O Estado de São Paulo, publicou nesta segunda-feira o artigo 2018 começa com ataques ao consumidor, de autoria do presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia. Ele critica a complacência de agências reguladoras – como a Aneel, Anatel e Anac.
Veja a íntegra do texto abaixo ou diretamente no blog.
2018 começa com ataques ao consumidor
O ano já começa com desafios relacionados à superação da crise e a recuperação da decência e qualidade de vida em nosso país.
Ao longo da evolução da ciência do direito, o conjunto de normas definidoras das relações de consumo se mostraram fundamentais para a realização dos ideais democráticos da Constituição, sejam no campo econômico, seja no campo dos direitos individuais.
Os últimos anos, no entanto, têm sido marcados por cada vez mais fortes ataques à legislação que versa sobre os direitos dos consumidores. E 2018 já começa com uma taxa extra de R$ 16 bilhões que a Agência Nacional de Energia Elétrica quer impor às cidadãs e aos cidadãos brasileiros.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não aceitará mais essa investida contra a sociedade e já está avaliando qual é o melhor tipo de ação judicial para apresentar contra a medida.
A desculpa da Aneel para sacar o dinheiro do bolso do contribuinte, sem dar em troca nenhuma melhoria de serviço, é cobrir custos como indenizações para empresas elétricas e compra de combustível.
O fato, no entanto, é que o setor elétrico no país é mal administrado e mal fiscalizado, permitindo que ocorra nele a reprodução da mesma ineficiência que domina outros setores fundamentais – como é o hídrico, o da aviação e o da telefonia, por exemplo, que não atendem satisfatoriamente as demandas do país.
Outra tentativa de tomar ainda mais dinheiro do contribuinte, sem nenhuma contrapartida, vem do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que não perde nenhuma chance de tentar empurrar goela abaixo do cidadão um aumento de impostos.
Como fez durante o governo de Dilma Rousseff e, depois, desde que Michel Temer assumiu a presidência, a OAB não admitirá aumento ou criação de tributos.
Para isso, apresentará as ações judiciais cabíveis e fará, quantas vezes for preciso, movimentos contrários a esse tipo de iniciativa –em 2016 reunimos mais de 100 entidades, representativas de variados setores, contra a recriação da CPMF.
Nesse sentido, ainda está pendente de julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.096, apresentada pela OAB para cobrar a correção da tabela do Imposto de Renda.
Da forma como está a tabela hoje, pessoas que deveriam ser isentas estão pagando o imposto e outras pessoas estão pagando mais do que deveriam.
Colapso das Agências. O mau exemplo da Aneel não é isolado.
Em 2016, por exemplo, a OAB obteve vitória derrubando a disposição da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que pretendia permitir às empresas de telefonia cobrar uma taxa extra para quem quisesse usar a internet acima de determinado patamar.
Da mesma forma, atuamos contra o consórcio formado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e pelas empresas que ela deveria fiscalizar.
Ao permitir a cobrança de uma taxa extra para o despacho de bagagens, a agência permitiu a violação do Código de Defesa do Consumidor, do Código Civil e até mesmo da Constituição.
Passados agora meses desde que a medida entrou em vigor, notamos que não era verdadeiro, como alertou a OAB, o argumento de que a nova taxa permitiria o barateamento das passagens.
Na verdade, o custo para o consumidor só aumentou, sem melhoria dos serviços.
Agora, vemos um executivo de empresa aérea dizer que, após terem conseguido onerar mais o passageiro com a cobrança de bagagens, as companhias querem parar de indenizar os consumidores prejudicados pelos atrasos e cancelamentos de voos. Hoje, existe a correta obrigação de as empresas pagarem refeição e hospedagem para quem é vítima desse tipo de situação.
Caberia à Anac se manifestar contra essa declaração absurda. Caso esse projeto prospere, a OAB entrará com nova ação judicial em defesa da lei e do consumidor.
É preciso rever, urgentemente, o papel das agências reguladoras, que atuam como parceiras das empresas que deveriam estar fiscalizando. No mais, esses órgãos passaram a ser ambientes para a troca de favores entre partidos, muito pouco (ou nada) fazendo em prol da população.
O ano que se avizinha será, certamente, de acirramento da crise.
Seria benéfico para o país se a pauta eleitoral levasse em conta os aprimoramentos necessários nas estruturas das agências, para torna-las compatíveis com as aspirações republicanas da Constituição.
Faria bem ao país também se o governo e os candidatos parassem de tentar adotar soluções fáceis para o rombo nas contas públicas, como é o aumento de impostos que tanto agrada o atual ministro da Fazenda, e passassem a adotar as ações efetivas, como a não nomeação de suspeitos de corrupção para cargos no governo e o fim da farra das nomeações de aliados políticos e amigos para cargos comissionados no serviço público (tema esse de outra ação apresentada pela OAB ao STF).
O próximo ano será de muitos desafios.
A advocacia está preparada para enfrentá-los, não medindo esforços para adotar os rumos corretos.
Grandes Temas: na XXIII CNAB, direito do consumidor norteou debates do painel 24
Brasília – Na sequência da série “Grandes Temas”, onde o Conselho Federal da OAB traz uma retrospectiva dos debates realizados durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira – realizada em novembro de 2017, em São Paulo – é hora de relembrar o vigésimo quarto painel do maior evento jurídico do mundo. Leia abaixo:
O Direito do Consumidor foi o tema do Painel 24 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, realizado na tarde desta terça-feira (28), em São Paulo. O painel foi dirigido por Marié Lima Alves de Miranda, presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB Nacional. O relator foi o conselheiro federal pelo Pará Marcelo Augusto Teixeira de Brito Nobre e o secretário foi o conselheiro federal pelo Maranhão José Agenor Dourado.
O presidente da OAB de Pernambuco, Ronnie Preuss Duarte, proferiu a palestra “O Direito do Consumidor e o novo CPC”. Ele afirmou que os mecanismos de defesa do Direito do Consumidor estão em xeque. “O novo Código inaugura um microssistema de concentração de excedentes obrigatórios. A adoção desses mecanismo irá impactar em todas as demandas de massa, e, especificamente, nas que têm por objetivo a defesa do consumidor. Não podemos retroceder”, afirmou.
Ele também falou sobre a internacionalização das compras pela Internet. “Qualquer consumidor pode adquirir bens e serviços de qualquer parte do mundo. Há uma grande dificuldade para que esse consumidor consiga fazer valer seus direitos, principalmente porque são, em geral, de baixo valor, o que não justifica o investimento em um advogado no exterior. O Novo CPC, de maneira acertada, já elege um norte hermenêutico nesse sentido”, explicou.
Adalberto Pasqualotto, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, deu a palestra “Publicidade Infantil”. Ele apresentou estudos sobre a influência da publicidade sobre as crianças e citou resultados que apontam que, até os 16 anos, os jovens apresentam pouca capacidade de reação aos estímulos externos. “Esses estudos demonstram o poder da publicidade sobre as crianças, que contribui para provocar o sequestro da infância. As crianças se tornam, precocemente, adultas, com a erotização e o consumismo, sem contar o efeito na estética e na saúde com casos de bulimia, sobrepeso e obesidade. Devemos nos perguntar: estamos satisfeitos com a sociedade que temos?”, questionou.
Pasqualotto lembrou que há uma proibição da publicidade infantil no Brasil e afirmou que é preciso implantar um sistema que regule isso, com comandos constitucionais e legais atuais. “Hoje, a lei paira em abstrato e a publicidade rola em concreto nesse país. Temos que ter efetividade no controle”.
Após a palestra, foi aprovada a proposta de Pasqualotto para que o Conselho Federal tenha atuação mais efetiva no tema, fortalecendo o controle social nas agências competentes já criadas. Também foi aprovada a proposta de realizar um estudo sobre possíveis ações em relação às propagandas que “objetifique” as mulheres.
Na palestra “Desconstrução do Direito do Consumidor no Poder Legislativo e no Poder Executivo”, Cláudia Lima Marques, professora da UFRGS e membro da Comissão Especial de Direito do Consumidor do CFOAB, afirmou que há uma desconstrução do Direito do Consumidor. “Toda a vez que o direito privado é alçado para a Constituição, é uma garantia na relação entre privados. Quando se afirma que o Estado tem direito à proteção, nenhum constitucionalista defenderá o dever de proteger o consumidor – um dever, aliás, esse, que abarca os três poderes. Afinal, não pode haver mercado brasileiro e livre iniciativa sem proteção do consumidor. O direito de proteção e ir a outro poder é a ideia de um mercado que haja a proteção do consumidor. Até mesmo o Banco Mundial fala sobre regulamentar o superendividamento das famílias. Porém, hoje, em 2017, podemos afirmar que há uma desconstrução vinda do Legislativo em matéria de Direito do Consumidor”, analisou ela.
Marques acredita que é necessário uma reação dos advogados brasileiros. “[o filósofo Zygmunt] Bauman afirma que, hoje, o acesso ao consumo é a definição de riqueza. Não, necessariamente, o consumo em si, mas o acesso. Exemplo disso são os planos de saúde: pensar que se pode ir para um bom hospital caso precise. Precisamos de uma reação: nós, advogados, temos que forçar o dialogo das fontes de diversas normas sistematicamente”. Após a palestra da professora, foi aprovada uma manifestação contra a desconstrução do Direito do Consumidor e os retrocessos sociais, e a confecção de um projeto de lei sobre as agências de proteção ao consumidor e como melhorar o Sistema de Defesa do Consumidor.
Advogados digitais
Já na palestra “A Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviço e dos Aplicativos de Internet sob a Ótica do Código de Defesa do Consumidor”, proferida pelo presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da OAB de São Paulo, Marco Antonio Araújo Junior, foi apresentada uma análise sobre os consumidores no mundo digital e a relação com a advocacia. “Não há mais espaço para advogados analógicos. Ser digital não é o futuro, mas o presente. E isso tem impacto nas relações de consumo. Em 2016, teve mais de 200 bilhões de downloads em dispositivos mobiles; a previsão é encerrar 2017 com mais de 280 bilhões de dólares movimentados somente em aplicativos. Esse mercado cresceu. Enquanto a tecnologia avança em ordem geométrica, o direito aumenta em ordem aritmética. Já que temos retrocessos, o direito não pode se furtar desses fatos. A advocacia tem que ser ponta de lança nessas questões”, afiançou ele.
Araújo Júnior citou inúmeros – e polêmicos – casos contemporâneos (envolvendo empresas como o Uber, 99taxi, Mercado Livre, Easy etc) e advertiu que a classe dos advogados deve estar vigilante perante o direito dos consumidores. “O Direito precisa andar junto com a tecnologia. Espero que os órgãos de Defesa do Consumidor, o OAB, o MP, o Poder Judiciário, Poder Legislativo assumam o dever de cumprir o CVC e de que o diálogo entres fontes será empregado de maneira favorável. Hoje o STJ descumpre o CVC e, para isso, a OAB sempre ficará vigilante para garantir que o consumidor brasileiro não sofra nenhum retrocesso. O consumidor não pode ser vítima de políticas de partidos e governos. Merece política de Estado!”, disse ele. Ao final da palestra, foi aprovada a proposta de elaboração de uma cartilha eletrônica para informar a população sobre o direito dos consumidores e reivindicar que a OAB tenha assento fixo nas agências reguladoras do direito ao consumidor.
Consumidor idoso
Gustavo Oliveira Chalfun, secretário-geral da OAB de Minas Gerais, palestrou sobre a situação jurídica e os direitos fundamentais do consumidor idoso, onde apontou que o mundo vive uma situação singular em relação aos idosos. “De acordo com a ONU, os países viverão uma grande modificação da estrutura social: a população idosa triplicará nos próximos 30 anos. Temos que se considerar uma elevação da faixa etária e um aumento significativamente daqueles com mais de 60 anos, a definição usada pelo Estatuto do Idoso. No Brasil, em 2025, teremos mais de 16 milhões de pessoas com mais de 60 anos!”, informou ele.
Chalfun comentou, também, que, recentemente, foi sancionada pelo presidente da República a Lei 14.666, que alterou o Estatuto da Pessoa Idosa, criando uma nova categoria: os idosos acima de 80 anos, o que considerou um grande avanço em política pública. “Há necessidade de de políticas públicas e legislação voltada para os idosos. Novas necessidades foram explicitadas pela pessoa idosa, como de autonomia, mobilidade, acesso à informações, serviços, segurança e saúde preventiva. Precisamos atender a essas novas expectativas que foram estruturadas nos últimos 30 anos, desenvolvendo instrumentos legais que garantem proteção social e ampliação de direitos”. Ao final da palestra, Chalfun propôs a criação de ações que promovam a valorização e inserção dos advogados e advogadas idosas, que, hoje, enfrentam problemas, principalmente, com questões de inovações tecnológicas na profissão. A proposta foi aprovada por unanimidade.
Direito à saúde
Encerrando as atividades do painel, a presidente da Comissão Especial do Direito Médico e da Saúde do CFOAB, Sandra Krieger, analisou os sistemas de saúde público e privado no limiar dos 30 anos de vigência da Constituição Federal de 1988 que, segundo ela, enfrenta graves problemas. “Algumas dilemas temos enfrentado, especificamente, em relação à saúde e daquilo que chamamos de saúde pública e saúde privada no sistema brasileiro. A Constituição estabeleceu como dever do Estado tudo que pudesse promover a justiça social, como a saúde, em todas as categorias e indivíduos. Essa promessa não é cumprida e há um distanciamento daquilo que hoje se enfrenta pelo Estado brasileiro. As EC’s de recursos público acabaram por tornar numa realidade inovadora, antes inovadora, em um cenário que a torna inviável”, apontou ela.
Quanto às operadoras de planos de saúde, assunto muito discutido na Câmara dos Deputados e em outros setores, a palestrante reforçou que é necessário transparência. “Quando uma operadora de plano de saúde paga para o prestador, muitas vezes utiliza contratos com uma tabela de 2008, sendo que o contrato do plano foi reajustado no ano passado. A relação médico-consumidor-plano não tem transparência. Temos que enfrentar os conteúdos dos contratos. A legislação não vai chegar nesse ponto sem os dados necessários”. Ao final da palestra, Krieger propôs que o Conselho Federal, por meio das comissões temáticas com afinidade ao tema, analise alternativas para melhorar a situação e a possibilidade de estabelecer limites de gastos dos planos de saúde.