Revolução do streaming e a polêmica dos direitos autorais em debate na OAB SP
Revolução do streaming e a polêmica dos direitos autorais em debate na OAB SP
O mundo vive uma das maiores rupturas em relação ao consumo de obras culturais com a popularização do streaming que, ao contrário do download, transfere os arquivos de forma temporária para o terminal do usuário (computador, tablet ou celular). A revolução é que, diferentemente do que acontecia há poucos anos, o importante passou a ser o acesso e não a posse da mídia, seja vinil, CD ou qualquer outra. Justamente para discutir a forma como o universo legal está lidando e vai lidar com essas questões, a Comissão de Direito do Entretenimento e o Departamento de Cultura e Eventos da OAB SP, com o apoio da Comissão de Mídia e Entretenimento do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), promoveram na terça-feira (27/10) uma série de palestras e debates no auditório da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo (CAASP).
Na abertura do evento, o presidente da Comissão da OAB SP, José de Araújo Novaes Neto, afirmou que o Direito ainda não tem todas as respostas para a novidade. “A grande questão que se coloca é a justa remuneração do streaming. Os portais de streaming mais importantes têm cerca de 30 milhões de músicas e você pode ouvir no seu celular, por isso a tendência é que esse modelo que oferece facilidade cresça e fique para as novas gerações. Por outro lado, nós temos que pensar no criador do conteúdo, o autor. Um exemplo é que uma das artistas brasileiras mais populares, com mais de 250 milhões de acessos digitais, recebeu no primeiro trimestre deste ano R$ 60 pela sua execução nos portais de streaming. Isso demonstra que algo está errado e precisa ser repactuado”, pontuou Novaes Neto.
Em seguida, o advogado e gerente-geral da Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), Roberto Correa de Mello, considerou em palestra que o meio digital veio conviver com os meios físicos, só que de uma forma mais ampla que permite um acesso mundial à obra: “Vemos continuamente a perda da importância do suporte físico. Nós usamos cada vez menos os CDs e DVDs para nos voltarmos aos meios digitais”. Mello entende o meio digital como uma forma de comunicação que permite a existência de dois direitos, que são o de comunicação ao público ou direito de execução pública (Lei nº 9.610/1998, art. 5º, V) e o direito de reprodução (Lei nº 9.610/1998, art. 5º, VI). “O direito de reprodução deve ser exercitado pelos titulares de acordo com as suas conveniências, individualmente ou por intermédio dos seus editores, e me parece que quanto mais coletivo isso acontecer, melhor será. Em relação ao direito de comunicação ao público, existe o Ecad que conglomera todos os interesses dos titulares para a execução pública”, explicou.
De acordo com Correa de Mello, existem dois tipos de streaming: o interativo (que possibilita escolha pelo usuário) chamado de webcasting; e o que duplica para o ambiente digital uma transmissão feita tradicionalmente fora da Internet que é o simulcasting. Nos dois casos estão envolvidos tanto o direito de reprodução quanto o de comunicação ao público, no entendimento do gerente-geral da Abramus. “Todos que militam em direito autoral sabem que para cada utilização existirá uma autorização específica”, comentou.
Mello afirmou ainda que o Brasil tem questões muito sérias com os provedores de conteúdo que querem pagar os direitos autorais quanto e quando quiserem. “Queremos um percentual digno para remunerar os titulares de direito autoral: autores, músicos, intérpretes, editores, produtores fonográficos”, disse. O gerente-geral da Abramus acredita na simplificação das definições para a garantia dessas remunerações. “Já há um debate no Ministério da Cultura e brevemente teremos uma instrução normativa. Acreditamos, porém, que o debate deveria ser mais aberto, incluindo mais pessoas”, completou.
Legislação e jurisprudência
Para o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, jurista e compositor, José Carlos Costa Netto, a Lei de Direitos Autorais de 1998 (Lei nº 9.610) não precisa de grandes alterações, uma vez que está adaptada aos últimos tratados fundamentais na área da sociedade da informação. “Uma leitura detalhada da lei já pode dar elementos para que o Poder Judiciário possa entender e debater”, enfatizou.
Costa Netto contou que há decisões contrárias do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro sobre os direitos autorais devidos pelo emprego da tecnologia streaming em webcasting e/ou simulcasting, mas aponta-se uma oportunidade para alcançar um consenso. “O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, do Superior Tribunal de Justiça, é relator de uma ação envolvendo direitos autorais na internet e decidiu abrir audiência pública para discutir o assunto com todos os envolvidos no dia 14 de dezembro de 2015, a partir das 09h00. Ele está abrindo a discussão o máximo possível para resolver a questão”, considerou. “Para mim, há formas de distribuição que estão inseridas na comunicação, portanto, necessitam de autorização do Ecad. Isso fica claro na leitura da legislação vigente que necessita de uma interpretação aberta”, completou.
Organização no audiovisual
A exposição do advogado Rodrigo Salinas tratou do streaming do conteúdo audiovisual. Ele explicou que como o número de agentes econômicos neste mercado é reduzido, há uma organização maior para o pagamento de direitos autorais. “Temos poucas distribuidoras em comparação com gravadoras e o mercado se organizou. Além disso, desde 2001 a atividade é regulada no Brasil com a criação da Agência Nacional do Cinema (Ancine) que tem como objetivo principal garantir o desenvolvimento da indústria nacional”, descreveu Salinas que conta que uma discussão atual na agência diz respeito ao estabelecimento – ou não – de cotas para filmes nacionais nos filmes on demand, como acontece nas salas de cinema.
Livros também podem?
A gerente jurídica da Câmara Brasileira do Livro, Fernanda Garcia, levou ao evento uma novidade para os brasileiros: o streaming de livros. Ela conta que a modalidade está começando no país e já existem alguns aplicativos que disponibilizam um número específico de publicações de livre leitura para os usuários, com o custo de uma mensalidade. “Eu entendo que nesse caso o livro pode ser tanto transmitido (Lei nº 9.610/1998, art. 5º, II) por streaming, quanto distribuído (Lei nº 9.610/1998, art. 5º, IV)”, pontuou a advogada que acredita que apesar da lei de direitos autorais ter como base o ambiente analógico, ela possui os conceitos necessários para enfrentar a questão e garantir os direitos autorais.
Remuneração
O evento foi encerrado por um debate sobre a justa remuneração do streaming. Dando uma visão dos autores sobre a novidade, Cristina Saraiva argumentou que não enxerga vilões no caso dos aplicativos do streaming. Para ela, o espaço de negócios é grande, mas também precisa incluir o compositor. “No momento, o quadro é bastante nebuloso. Por vezes não consigo compreender porque não há clareza. Antes um CD tinha 14 faixas e o compositor conseguia calcular o quanto ia ganhar, mas hoje isso não acontece. É preciso mais transparência”, pontuou.
Marcelo Falcão, presidente da Ubem, por outro lado, afirmou que no streaming não existe um valor fixo pela obra, como acontecia com as mídias físicas. “No streaming temos um pool de músicas combinadas e, a partir daquela receita, são distribuídos os valores. Por isso, ninguém pode esperar receber o que recebia com downloads que tinham um valor unitário”, rebateu.
Já o produtor fonográfico da Tratore, Maurício Bussab, reconheceu que o problema em relação à remuneração de intérpretes e autores existe, mas pondera que o momento é de um faturamento muito mais baixo do que em 1990. “Existe um problema grave com relação aos autores nas lojas digitais, em que ninguém está ganhando nada, especialmente os que não são filiados à Ubem. Para aumentar a remuneração, temos alguns caminhos. É possível, por exemplo, impedir o streaming gratuito, mas seria uma boa ideia? Será que não estaremos impedindo que pessoas possam virar assinantes? Ou vamos subir o preço da assinatura?”, questionou. “Na minha opinião, esse é o momento de olharmos os números, debatermos e evitarmos decisões apressadas sem analisar o que acontece em cada caso”, concluiu.
Também participaram do debate Marcel Camargo e Godoy, presidente da Associação de Intérpretes e Músicos (Assim), e o presidente da Comissão de Direito do Entretenimento da OAB SP, José de Araújo Novaes Neto.
Fonte: oabsp.org.br