“Nossa trincheira sempre será a defesa da Justiça e da paz social”, diz Santa Cruz
Brasília – Em seu discurso de posse, o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, destacou o caráter apartidário da Ordem como peça fundamental na posição da entidade como indutora dos debates e do diálogo que envolvem a defesa da justiça e da paz social como caminho de resolução para as crises que se apresentam à sociedade. Em sua fala inaugural, Santa Cruz criticou “as polarizações irracionais que acometem não apenas nossa sociedade, mas também mundo afora”.
“(As polarizações) impelem a OAB a evocar sua ancestral missão de proteger todos aqueles cujos direitos são aviltados ou tolhidos. Aqui não se trata em absoluto de manifesto político, mas de afirmação institucional. O terreno da Ordem dos Advogados do Brasil não é a política, mas o Direito. Queremos evitar que aconteça na Ordem o que tem ocorrido em outras instituições e categorias: a armadilha de serem encapsuladas em qualquer trincheira política ou econômica. Nossa trincheira sempre será a defesa da Justiça e da paz social, e, por consequência, do bom debate que conduza a esses valores. Não queremos tutelar opiniões, queremos aclarar o debate”, disse Santa Cruz.
Confira abaixo a íntegra do discurso de posse do presidente nacional da OAB:
Chego a Brasília ciente da enorme responsabilidade e do desafio de presidir a Ordem dos Advogados do Brasil nos próximos três anos. Ao longo de quase nove décadas, o Conselho Federal da OAB vivenciou e teve papel relevante em inúmeros momentos marcantes da nossa história: duas Constituintes, a Ditadura Militar, as Diretas Já, dois processos de impeachment, o surgimento das grandes questões judiciais. Agora, em 2019, o início da nossa Gestão na Ordem coincide com mais um capítulo relevante da trajetória política do Brasil.
O País vive hoje momentos de preocupante intolerância política. A intolerância e a violência silenciam o debate plural e sadio de qualquer democracia; e a mentira se sobrepõe aos fatos. Uma vereadora é brutalmente assassinada, um candidato a presidente da República é covardemente esfaqueado, um parlamentar é covardemente ameaçado. É hora de a sociedade civil organizada atuar de forma contundente para devolver às ruas brasileiras a estabilidade institucional – para que possamos voltar a pensar o País sem amarras, sem patrulhamento, no campo democrático das ideias. A Ordem dos Advogados do Brasil será peça-chave nesse processo, sem fugir à luta.
As polarizações irracionais que acometem não apenas nossa sociedade, mas também mundo afora, impelem a OAB a evocar sua ancestral missão de proteger todos aqueles cujos direitos são aviltados ou tolhidos.
Aqui não se trata em absoluto de manifesto político, mas de afirmação institucional. O terreno da Ordem dos Advogados do Brasil não é a política, mas o Direito. Queremos evitar que aconteça na Ordem o que tem ocorrido em outras instituições e categorias: a armadilha de serem encapsuladas em qualquer trincheira política ou econômica. Nossa trincheira sempre será a defesa da Justiça e da paz social, e, por consequência, do bom debate que conduza a esses valores.
Não queremos tutelar opiniões, queremos aclarar o debate. Temos nossa formação e nossos códigos processuais para fazer anteparo aos reducionismos e generalizações que envenenam os temas sociais. Os colegas advogados têm percebido isso no dia a dia. O exercício da função nunca foi tão desafiador e nunca foi tão complexo.
Hoje, quase um milhão e duzentos mil advogadas e advogados em todo o Brasil – que, segundo o IBGE, representam 7% da força de trabalho do País – tentam equilibrar-se em meio a uma recuperação econômica lenta e ao sucateamento da mão de obra qualificada. Diante disso, uma boa parte dos profissionais está frustrada, sem perspectiva, ou não se sente representada como categoria. A Ordem dos Advogados do Brasil, mais do que nunca, olha para os seus. É preciso encontrar oportunidades para essa enorme massa de profissionais que buscam adequar-se à nova realidade do mercado de trabalho. A luta de cada advogado deste País é a luta da Ordem.
Aprendemos, na academia, que forma e método são tão importantes quanto o mérito como instrumento de construção da Justiça. Precisamos, portanto, reafirmar e proteger os Direitos e Garantias Fundamentais. É urgente o recado: a OAB está atenta ao equilíbrio entre acusação e defesa, entre julgador e julgado, entre investigador e investigado. Estaremos atentos ao respeito e à garantia de direitos nas relações entre Estado e cidadão, principalmente pela assimetria de forças ali existente.
A OAB aplaude toda e qualquer iniciativa que induza a mais altos níveis de ética, transparência e probidade nos contratos entre empresas e órgãos públicos, na interface entre políticas públicas e cidadão. A OAB aplaude toda e qualquer iniciativa que induza a mais altos níveis de segurança pública, de prevenção e de combate à criminalidade, nas ruas ou em ambientes privados. Mas a OAB jamais irá, em nome dessas intenções, compactuar com o uso desregrado do aparato estatal.
Essas considerações também valem para a imprensa. A manutenção da democracia só é possível com a possibilidade de a mídia atuar livremente – sem pressões econômicas ou políticas. A OAB criará o Observatório Permanente de Liberdade de Imprensa, em defesa do pleno exercício do jornalismo e da livre expressão do cidadão brasileiro.
Tais garantias fundamentais e liberdades individuais consistem numa obsessão do nosso mandato de três anos: o Monitoramento da Proteção aos Direitos Humanos – função precípua da Ordem dos Advogados do Brasil, um tema caríssimo a operadores do Direito. Não há nação no mundo que avance economicamente sem a proteção rígida dos direitos humanos. Não há desenvolvimento sustentável que solape garantias individuais.
A OAB apoia as reformas estruturantes de que precisamos para recolocar o País no trilho do crescimento. São fundamentais. A Ordem contribuirá para que o debate de mais alto nível e maduro faça com que avancemos na direção da implementação de reformas que combatam privilégios e protejam trabalhadores, minorias e os mais necessitados.
Não há desenvolvimento sem respeito a contratos! Não há investimento estrangeiro direto sem segurança jurídica! Não há ambiente de negócios saudável sem previsibilidade e jurisprudência clara e bem definida.
O desrespeito a este tripé – respeito a contratos, segurança jurídica e previsibilidade processual – nos leva a duas tragédias brasileiras.
A primeira, é o apagão das canetas dos nossos gestores públicos, imobilizados pelo medo de agir. Tanto projetos estruturantes e fundamentais para o desenvolvimento de regiões inteiras quanto projetos menores, como a construção de creches, perdem-se no emaranhado de burocracias paralisantes que vemos no País.
A segunda e mais grave tragédia resultante deste cenário brasileiro é o que vimos em Brumadinho. Não há desenvolvimento sem a preservação do Meio Ambiente. A OAB trabalhará por regras mais claras e diretas para que não haja dúvidas acerca da segurança de um projeto dessa magnitude. A OAB Nacional acompanhará de perto os desdobramentos das investigações da tragédia de Brumadinho, para garantir que as vítimas sejam acolhidas e ressarcidas, para que os responsáveis sejam punidos e para que a legislação brasileira seja aperfeiçoada.
Imperiosa é também a defesa da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho, como órgãos respeitados e necessários à proteção dos direitos sociais, notadamente no atual contexto de debate acerca das novas ideias de reestruturação das instituições públicas.
Por fim, dirijo-me aos colegas advogados de todo o Brasil: vamos trabalhar dia e noite para trazê-los de volta à Casa do Advogado. Vamos ouvi-los, vamos abrir canais de diálogo, vamos construir pontes. A Ordem precisa ser um veículo constante de melhoria do seu trabalho, de geração de oportunidades a todos, de modernização da carreira.
Antes de mim, trinta e seis honrosos advogados ocuparam este assento de presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. É enorme responsabilidade levar à frente esse legado. Farei isso com todo o apoio e amor dos meus Lucas, Beatriz, Maria Eduarda, João Felipe e Daniela, que me acompanharam em toda minha trajetória – e, espero, terão a paciência de ver seu pai e seu marido passar os próximos três anos lutando diuturnamente por um Brasil mais justo, por uma advocacia mais digna e por um mundo melhor.
Muito obrigado.