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Grandes Temas: mudanças e reforma na lei tributária guiaram painel 19 da XXIII CNAB

Brasília – Na sequência da série “Grandes Temas”, onde o Conselho Federal da OAB traz uma retrospectiva dos debates realizados durante a XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira – realizada em novembro de 2017, em São Paulo – é hora de relembrar o décimo nono painel do maior evento jurídico do mundo. Leia abaixo:

As mudanças necessárias na Constituição, nos processos estatais e na cultura da sociedade para melhorar o sistema tributário brasileiro foram o tema do Painel 19 da XXIII Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, que ocorre até quinta-feira (30) no Centro de Exposições do Anhembi, em São Paulo. Compuseram a mesa os professores Igor Mauler Santiago, Roque Carraza, Misabel Derzi, Humberto Ávila, Eduardo Maneira e Luiz Gustavo Bichara, sob a mediação dos conselheiros federais da OAB Breno Dias de Paula e Dalmo Jacob do Amaral Jr.

O advogado Humberto Ávila questionou a necessidade de se mudar o texto da Constituição, apesar de reconhecer a necessidade de mudar “radicalmente” o sistema tributário. “Por trás dessa ideia há a noção de que a mudança do texto acarreta na mudança da realidade, mas isso simplesmente não acontece. É claro que um bom texto constitucional é um bom ponto de partida, mas não é o ponto de chegada”, afirmou. Ele disse que, desde 1988, já houve quase 100 mudanças no texto constitucional e, boa parte delas, relativas aos processos tributários. Ele avaliou que essas mudanças tornaram o sistema mais complexo e injusto. “Os interesses dos entes da federação não se acomodam de forma a ser realizada uma grande reforma, e vão ocorrendo mudanças pontuais no sistema que são muito problemáticas.”

Eduardo Maneira, conselheiro federal e integrante da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB, afirmou que o modelo “torto” de República Federativa adotado pelo Brasil criou desvios que não podem ser corrigidos apenas com a mudança das regras tributárias. “O federalismo não é apenas uma forma de Estado, mas princípio de organização política. O que justifica o governo federal aos Estados é a solidariedade na busca por um ideal comum”.

Ele comparou o modelo brasileiro com o americano. “Nos Estados Unidos, temos o exemplo do federalismo clássico, que nasceu em um movimento orgânico dos Estados que o compõem. No Brasil, na proclamação da República, o governo impôs esse modelo, que concentra poder e renda na União, em desfavor dos Estados. Para complicar, os cinco mil municípios também são entes federais e podem criar tributos, uma especificidade do Brasil”, criticou.

É essa particularidade, disse, que faz com que os impostos sobre consumo sejam até triplamente cumulativos e faz com que haja espaço para guerra fiscal por conta de mudanças arbitrárias na destinação da arrecadação dos impostos sobre serviços. “O principal a se levar em conta em uma proposta de reforma é que os entes precisam ter garantia de autossuficiência financeira, mas não necessariamente de plenos poderes tributários”, disse.

Pesos e medidas

Os conferencistas abordaram ainda práticas dos órgãos ligados à fiscalização, arrecadação e negociação de dívidas do Estado brasileiro que também dependem de melhorias que vão além da simples atualização da legislação.

“Certas novidades do Direito Penal têm contaminado gravemente o direito tributário”, alertou a professora Misabel Derzi. “O instituto da delação premiada, por exemplo. Não sou contra, mas os delatores se converteram, no Brasil, em testemunhas sem necessidade de provas. Vêm as condenações e não há mais provas. As prisões antecipadas, sem julgado, contra o artigo 5º da Constituição. O Ministério Público aplicando o Direito Penal. Sempre foi o juiz, mas agora é o promotor. Até sugere a pena e anistia ou não! Isso tem repercutido no direito tributário. Os senhores vão perguntar como, mas é impressionante. O direito penal tem sido convertido em um ramo do direito que está funcionando como técnica de constrangimento do contribuinte para forçar a arrecadação. É um instrumento do fisco”, lamentou.

Além das delações, a professora criticou também a transposição para o Direito Tributário da teoria do domínio do fato, inaugurada no julgamento do mensalão, em 2012. “Aquela súmula vinculante que o Supremo fez no sentido de que enquanto o caso de uma empresa estiver em um tribunal administrativo não pode haver denúncia penal não é suficiente. Porque o que acontece? O Ministério Público aciona todos os diretores da empresa sob o argumento do domínio do fato”, concluiu.

Roque Carraza, professor Titular de Direito Tributário da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, concordou. “É hora de dar um basta nas ações arbitrárias judiciais e policiais em nome da arrecadação. Penso seriamente que o instituto da delação premiada deve ser revisto, em especial nas generosas recompensas oferecidas às delações, sem falar nas prisões antecipadas”, afirmou Carraza. “E há de encerrar a prática da condução coercitiva, a não ser que o indiciado tenha se recusado a comparecer voluntariamente para prestar testemunho. É chegada a hora de encerrar também a prática de invadir escritórios de advogados à cata de documentos”, disse o professor.

Por outro lado, apesar das medidas radicais que tem à disposição, o governo central brasileiro é extremamente seletivo na forma como realiza essas cobranças, ao ponto da omissão, segundo números apresentados por Luiz Gustavo Bichara, conselheiro federal e procurador tributário do Conselho Federal da OAB. Ele mostrou que, em 2016, a União executou menos de 1% de sua dívida ativa, estimada em R$ 1,4 tri — entre as executadas, 97% foram relativas a dívidas menores que R$ 1 milhão, e apenas 2,5% relativas a dívidas acima de R$ 1 milhão. Menos de 6% das dívidas foram negociadas para parcelamento. E mais de R$ 630 milhões não têm sequer uma avaliação de perspectiva de pagamento.

“O que se vê é completa omissão. Grandes devedores, no Brasil, pagam se quiserem. Se não quiserem, podem ficar tranquilos”, ponderou. Na opinião de Bichara, é necessário criar mecanismos para acelerar as cobranças de dívidas com o fisco e garantir financiamento ao governo, mesmo que por meio de concessão da cobrança dessas dívidas a empresas privadas. “Se deixarmos na mão da União, ela não tem interesse em mudar o sistema, porque pode acumular os depósitos judiciais indefinidamente em suas contas. Se perde o caso, devolve o dinheiro, mas se ganha, já estava lá desde o começo. Mas o sistema não tem celeridade”, pontuou.

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