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“Não se pode transigir com a relativização de princípios jurídicos basilares”, diz Lamachia no STJ

Brasília – O presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, representou a entidade e a advocacia brasileira nesta quarta-feira (29) durante a solenidade de posse dos ministros João Otávio de Noronha e Maria Thereza de Assis Moura como presidente e vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Eles ficarão à frente do tribunal no biênio 2018-2020.

Além de Lamachia e dos empossados, estiveram presentes o presidente da República, Michel Temer; a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia; o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia; a procuradora-geral da República, Raquel Dodge; os ministros egressos dos cargos de presidente e vice do STJ, respectivamente, Laurita Vaz e Humberto Martins; além dos demais 29 ministros do Tribunal e também integrantes de outros tribunais superiores.

Na ocasião, o presidente da Ordem proferiu discurso (íntegra ao final da matéria) no qual enfatizou o caráter fundamental da efetiva prestação jurisdicional para a consolidação da democracia e a consequente saída da crise na qual o País se encontra. “Se fosse possível resumir numa só palavra a crise brasileira, diria que é uma crise de justiça. Crise, acima de tudo, estrutural. O déficit de magistrados – 18 mil juízes para mais de 200 milhões de habitantes –, resulta no espantoso número de municípios sem juiz titular. Sem Justiça, portanto. Disso resulta a lentidão da Justiça, que a torna disfuncional”, apontou.

Ele lembrou, ainda, o atual momento da nação. “Atravessamos tempos turbulentos, marcados por uma crise de diversas dimensões: de um lado, é econômica – requerendo de todos austeridade e capacidade de gestão; de outro lado, é política – exigindo diálogo, serenidade e equilíbrio; mas, acima de tudo, é uma crise ética e moral sem precedentes – clamando por legalidade e por justiça”, disse.

Lamachia ponderou que, para que o país saia da crise, é imperioso evitar atalhos que conduzam a soluções ilusórias. “Não se pode transigir com a relativização de princípios jurídicos basilares como o devido processo legal, a presunção de inocência e a ampla defesa. Esses são princípios que têm sustentado o avanço da civilização”, continuou.

Ele também falou sobre reflexos no Poder Judiciário da crise econômica que o país atravessa, do déficit de juízes nas comarcas brasileiras, das reiteradas permissões do Ministério da Educação para a abertura de novos cursos de Direito, da morosidade da justiça em todos os níveis, da importância dos mecanismos de fortalecimento da democracia em detrimento do autoritarismo e da necessidade do respeito irrestrito às prerrogativas profissionais da advocacia.

Pronunciamentos

Em nome do STJ, falou a ministra Nancy Andrighi, que disse que as dificuldades que o Brasil atravessa o fazem caminhar para o ciclo da verdade. “Temos a responsabilidade de encontrar os melhores meios de fazer cumprir nosso dever constitucional da razoável duração do processo, sem contudo descuidar da humanização nos julgamentos. Para alcançarmos a meta do continuo aprimoramento, e necessário usar inteligência, criatividade e eficiência, todas coroadas pela simplicidade. Uma nova presidência e sempre um coroamento da esperança, reacendendo sonhos e ideiais que habitam na mente de todos que integram essa corte”. Nancy também falou sobre a contribuição da tecnologia à Justiça, em especial ao que chamou de ‘novo modo de julgar’ pelo uso apropriado e humanizado dos meios digitais.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, falou em nome do Ministério Público. “são notáveis os avanços institucionais e o progresso institucional no âmbito do STJ. O Brasil se situa hoje num cenário de nações onde a lei vale para todos. O STJ tem ajudado a construir em nosso país uma sociedade mais justa e igualitária, ao passo em que auxilia na instituição efetiva de um regime de leis. Este patrimônio jurídico tem sido construído ao longo dos últimos 30 anos, com mostras de profundo conhecimento das mazelas que a sociedade enfrenta”

Pelos empossados, falou João Otávio de Noronha. “O Brasil precisa de um processo menos burocrático e mais eficiente, impulsionado pela uniformização da jurisprudência, para assim afastarmos o casuísmo que faz dos tribunais brasileiros uma verdadeira loteria. Não há no mundo tribunais superiores que tanto se debrucem em revisões como o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior do Trabalho e o Supremo Tribunal Federal. O aperfeiçoamento da atividade jurisdicional prestada ao cidadão é o fim que se deve buscar, sempre e mais”.

Na mesma linha da ministra Nancy Andrighi, ele também destacou a necessidade de aumentar a eficiência do STJ através da tecnologia. “Foi esta Corte que liderou a implantação do processo judicial eletrônico no Brasil. O investimento constante em inteligência artificial e tecnologia provam nosso intuito em avançar rumo à modernização, feito este que – tenho certeza – resultará em ganhos expressivos de tempo na tramitação processual. Está em curso uma série de mudanças estruturais, comportamentais e culturais dentro do STJ”, disse.

Veja, abaixo, a íntegra do discurso de Claudio Lamachia na solenidade de posse da nova presidência do STJ. Ou clique aqui para baixar o discurso em PDF.

Senhoras e senhores.

A efetiva prestação jurisdicional é um dos pressupostos fundamentais da democracia. Esta não se assenta apenas na positivação de normas jurídicas, mas também – e primordialmente – na concretização de direitos.

Essa constatação reforça a inestimável importância do Superior Tribunal de Justiça, que, merecidamente, se consagrou como o “Tribunal da Cidadania”, em razão de seu protagonismo no atendimento aos pleitos dos cidadãos.

Contribui, portanto, diretamente para o correto funcionamento da Federação, bem como para a manutenção da segurança jurídica.

Dessa forma, transmite à sociedade a mensagem de que pode depositar suas esperanças nas instituições; de que pode confiar na força cogente das normas; de que pode, em suma, manter a fé no Estado Democrático de Direito.

Essas reflexões, que destacam a relevância deste Tribunal, ressaltam, na mesma medida, a magnitude das responsabilidades atribuídas aos membros que o compõem.

Felicito a Ministra Laurita Vaz e o Ministro Humberto Martins, que, ao longo do biênio que se encerrou, conduziram esta Corte com exemplar firmeza, transparência e discrição.

Seguramente, a mesma competência será demonstrada por aqueles que hoje se alçam à Presidência e à Vice-Presidência do Superior Tribunal de Justiça.

Oriundos da advocacia, o Ministro João Otávio de Noronha e a Ministra Maria Thereza de Assis Moura comprovam, em suas exitosas e eminentes carreiras, o absoluto acerto do constituinte, que determinou o critério do quinto constitucional para a composição dos tribunais brasileiros.

Caríssimo Presidente, caríssima Vice-Presidente; em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, registro a plena confiança no trabalho de Vossas Excelências e os mais sinceros votos de êxito na missão que ora assumem, neste delicado momento da história nacional.

Atravessamos tempos turbulentos, marcados por uma crise de diversas dimensões: de um lado, é econômica – requerendo de todos austeridade e capacidade de gestão; de outro lado, é política – exigindo diálogo, serenidade e equilíbrio; mas, acima de tudo, é uma crise ética e moral sem precedentes – clamando por legalidade e por justiça.

Para a completa superação desse quadro, é imperioso evitar atalhos que conduzam a soluções ilusórias. Assim, não se pode transigir com a relativização de princípios jurídicos basilares – como o devido processo legal, a presunção de inocência e a ampla defesa. Esses são princípios que têm sustentado o avanço da civilização.

Não por acaso, tais preceitos – que são universais – foram instituídos como cláusula pétrea na Constituição da República.

Afinal, a inobservância desses parâmetros significaria o desmoronamento do próprio Estado Democrático de Direito.

Se fosse possível resumir numa só palavra a crise brasileira, diria que é uma crise de justiça. Crise, acima de tudo, estrutural.

O déficit de magistrados – 18 mil juízes para mais de 200 milhões de habitantes –, resulta no espantoso número de municípios sem juiz titular. Sem Justiça, portanto.

Segundo o “Justiça em Números”, do Conselho Nacional de Justiça, os cargos vagos da magistratura – criados por lei, mas não preenchidos –, representavam, ano passado, 19,8% dos 18 mil juízes do País. Esse é, por baixo, o déficit de juízes no país: quase 20%.

Em 2016, por exemplo, o Tribunal de Justiça de Pernambuco tinha 200 cargos vagos, mas só convocou 53 candidatos aprovados no concurso realizado no ano anterior.

A vacância desses cargos decorre de dois fatores: ou do reduzido número de aprovados ou de restrições orçamentárias para provê-los.

No caso presente, ambas as circunstâncias concorrem: carência de mão de obra qualificada – reflexo da crise das instituições de ensino e da proliferação de faculdades de direito no país, que o MEC autoriza, de forma irresponsável, sem levar em conta critérios técnicos e de qualidade dos cursos; e também da carência de recursos. O resultado disso é que um dos postulados básicos da Justiça, que é estar onde o cidadão dela necessite, não se cumpre.

É de absoluta importância a presença de juízes em todos os dias da semana nas comarcas de 1º grau. Sem essa base, todo o edifício jurisdicional se enfraquece – ou mesmo desmorona.

O maior índice de cargos vagos está na Justiça Federal (26%), mas outros ramos ostentam números parecidos, como a Justiça Estadual (22%).

Disso resulta a lentidão da Justiça, que a torna disfuncional – e, nesses termos, contribui para fixar, perante a sociedade, o sentimento de impunidade.

Mais grave ainda é que isso se dá num país que, já há alguns anos, exibe um índice absurdo e escandaloso de mais de 60 mil homicídios por ano. Um cenário que exige, acima de tudo, eficiência do aparelho judiciário.

Mas, se o Estado não investe na melhoria estrutural da Justiça e no sistema penitenciário, o que se tem é um ambiente de estímulo à expansão do crime e do desmando administrativo.

Esse o grande drama brasileiro contemporâneo: o clamor não atendido – não ao menos em prazo razoável – por justiça. E isso remete a Ruy Barbosa, que classificava justiça atrasada como “injustiça qualificada e manifesta”.

Evidentemente, temos ciência de que o fortalecimento do Judiciário envolve custos financeiros. Sobressai-se, portanto, ainda mais, a necessidade de racionalizar a utilização dos recursos disponíveis, notadamente em razão da crise econômica que continua a afetar o Brasil.

O momento tem exigido sacrifícios de todos – precisamente para que os elevados valores da justiça não sejam sacrificados.

E é o que temos.

A excepcionalidade do momento político que o Brasil atravessa agrava o quadro e aumenta a responsabilidade do Judiciário.

E este Tribunal, por imperativo constitucional, é chamado, ao lado do STF, a julgar parcela numerosa da elite política dirigente que incorreu em ilícitos. No caso deste STJ, governadores, parlamentares e secretários estaduais, entre muitos outros, que gozam do inaceitável foro por prerrogativa de função.

Esse contexto, sem precedentes na proporção em que se apresenta, faz incidir sobre esta Corte pressões poderosas, a que se soma o clamor da sociedade e a reverberação que lhe dão a mídia e as redes sociais.

E não só. Há ainda a manipulação que desse quadro anômalo fazem as correntes extremistas que amaldiçoam a política para melhor dominá-la.

É preciso que haja serenidade e bom senso para que não se caia na armadilha do autoritarismo e da demagogia.

De um lado, a pretexto da crise – política, econômica, social e moral –, os saudosos do autoritarismo clamam por intervenção militar; de outro, os que, confundindo justiça com justiçamento, propõem, por outra via, o mesmo retrocesso institucional, supondo poder combater o crime cometendo outro crime – o da profanação do devido processo legal.

Não foi – e não é – fácil, em tal ambiente, estar à frente desta tribuna da cidadania, que é a OAB. Tribuna que, por imperativo estatutário – e nosso Estatuto é lei federal –, nos obriga a defender a Constituição, a boa aplicação das leis, os direitos humanos e o Estado Democrático de Direito. Ou seja, intervir na cena política sem tomar partido.

O partido da OAB é o Brasil, é nossa ideologia a Constituição.

Não se pode ignorar o clamor das ruas por mudança de padrões éticos, mas também não se pode desconhecer a facilidade com que é manipulável.

Por isso mesmo, mais que nunca, os ritos judiciais precisam ser observados. E isso inclui o respeito às prerrogativas da advocacia. Ela é, nos termos do artigo 133 da Constituição, “indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

A Justiça não é um espetáculo, um show. Compreende-se a expectativa com que a sociedade aguarda a responsabilização dos agentes públicos que delinquiram. Mas o papel dos operadores do direito – aí incluídos juízes, procuradores e advogados – é exercer papel moderador, que, ao contrário do que alguns supõem, nada tem a ver com o de acobertar os delitos, mas sim de expô-los com absoluta clareza e segurança. E isso não pode se dar de maneira sumária. Não existe justiça sumária.

Concluo reiterando os votos de sucesso desta gestão que se inicia, na certeza de que continuará tendo papel de relevo na reconstrução moral das instituições do Estado brasileiro.

 

Fonte: www.oab.org.br

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